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A EVIDÊNCIA YANOMAMI

Tragédia humanitária na TI Yanomami é indício aterrador dos resultados da agenda que dominou a visão de futuro no executivo e legislativo nos últimos anos.



Área de garimpo na Terra Indígena Yanomami - Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real


Hoje as fichas estão caindo. Há anos organizações de direitos humanos, movimentos nacionais e internacionais e matérias investigativas vem noticiando, denunciando as atrocidades cometidas contra a população que vive na Terra Indígena Yanomami. Considerada a maior terra indígena do país, entre os estados do Amazonas e Roraima, sua população sofre com constantes invasões, em especial pelo garimpo, na região.


Em meio às denúncias sobre a situação da população Yanomami, é importante observarmos um padrão que evidenciou-se durante toda a gestão do governo Bolsonaro e que fora apresentada pelo nosso instituto no levantamento feito em relação ao plano de governo do então candidato à reeleição.


Estes dados sugerem que a situação evidenciada na TI Yanomami, seria o indício do resultado de uma visão de futuro para o país. Visão esta capilarizada por representantes dos poderes executivo e legislativo federal nos últimos 4 anos - este último, cujas pautas propostas precisarão ser observadas nos próximos anos.


A DESARTICULAÇÃO DO ORÇAMENTO DA PASTA AMBIENTAL


De acordo com o Balanço do Orçamento Geral da União (INESC, 2021), de 2019 até 2021, de forma geral, a pasta ambiental sofreu com fortes desinvestimentos, com o valor autorizado em 2021 em média 25% menor que em 2019. Além disso, o relatório apresentado indicou as falhas na execução do orçamento autorizado. De acordo com o balanço, em 2021 o valor executado foi menos de 80% do autorizado. Ao comparar os valores autorizados para a pasta em 2019 em comparação com o que fora executado em 2021, identifica-se uma queda de 42%.


Além disso, quando se olha para a fiscalização, identificou-se que o gasto real executado ao longo de todo o período variou entre R$ 102 Mi e 95 Mi, um valor completamente irrisório para a demanda.


Cabe lembrar que, em 2021, o valor inicialmente orçado pelo governo na PLOA 2021 para a fiscalização era de R$ 82 Mi, porém, diante das cenas aterradoras dos incêndios no Pantanal em 2020 e devido à pressão de organizações ambientais e de parlamentares da oposição, a pasta chegou a alcançar R$ 236 Mi. Entretanto, apenas cerca de 40% do valor foi realmente executado.


O mesmo pôde ser identificado no orçamento para a Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas áreas Federais. Mesmo diante dos sucessivos casos de incêndios que atingiram o Pantanal e a Amazônia, o valor executado para a pasta em 2020 e 2021 foram menores que o executado em 2019. Embora os recursos autorizados tenham aumentado em 2021, apenas 76% foram executados, dificultando ainda mais as ações de combate, a exemplo da contratação e capacitação das brigadas de incêndios.


Este cenário de desinvestimento pôde ser identificado no aumento do desmatamento. De acordo com dados do Imazon, de agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubados 10.781 km² de floresta, um valor equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo. A maior área devastada dos últimos 15 anos para o período.


De acordo com instituto, foi a segunda vez consecutiva em que o desmatamento passou dos 10 mil km² no período de análise.


A DESARTICULAÇÃO DA PASTA INDÍGENA


O que o governo Bolsonaro tentou emplacar no imaginário público durante sua campanha à reeleição:


Uma afirmação defendida com estranha insistência durante a campanha foi a proteção e promoção dos direitos das populações tradicionais. Em especial no plano de governo, buscou-se afirmar e reafirmar sua preocupação com o tema — com destaque às ações efetuadas no bioma amazônico — enfatizando os investimentos na área – como denunciado pelo nosso instituto durante o primeiro turno das eleições 2022.


O que a realidade já mostrava, que se apresenta nas imagens da crueldade sofrida pela população Yanomami:


“Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena” (Bolsonaro, em entrevista ao Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, em 2018 — Via Folha de São Paulo).


Assim como defendido pelo então candidato, fato é que a pauta indígena fora marcada por grandes retrocessos na sua gestão. Pautados pela visão de liberdade imposta pela FUNAI no governo Bolsonaro — o que na prática significa atropelar a cosmovisão de cada etnia indígena e comunidade quilombola e submeter seus territórios à exploração — as populações tradicionais sofreram e tem sofrido cotidianamente com invasão de seus territórios, ataques às suas populações, grilagem, garimpo ilegal e diversos tipos de violência.


O orçamento da pasta durante a gestão Bolsonaro


Segundo os dados do INESC, há diversos problemas quando da análise do orçamento para a pasta.


1º — Orçamento insuficiente para as demandas relacionadas:


Desde que Bolsonaro assumiu o governo, o orçamento relacionado à pasta foi de R$ 146 milhões em 2019, R$ 109,83 milhões em 2020 e R$ 139,80 milhões em 2021. O valor aprovado deveria ser destinado para diferentes ações, como regularização, demarcação e fiscalização de TI’s, enfrentamento à pandemia de coronavírus, aprimoramento da própria FUNAI entre outros. Valor insuficiente para dar conta das ações necessárias para as mais de 300 etnias indígenas nos 26 estados da nação.


2º — A não execução completa do orçamento


Não bastasse o orçamento ser insuficiente, o governo deixou de executar boa parte do que foi aprovado. Apesar da execução de mais de 90% do orçamento aprovado em 2019, os anos de 2020 e 2021 foram marcados pela não execução de todo o orçamento previsto, sendo executados cerca de 60% do aprovado para 2020 e 63% em 2021 (INESC, 2022).


3º — Parte do valor foi aplicado para benefício de não-indígenas


Parte de um orçamento já insuficiente - em que quase 40% deixou de ser executado - foi destinado à indenização de pessoas que ocuparam terras indígenas e construíram estruturas no local. Segundo o relatório, cerca de 45% dos recursos destinados à demarcação de territórios foram destinados à este fim.


O MARCO TEMPORAL


O governo e sua base de apoio no congresso se posicionaram a favor da tese sobre o Marco Temporal, tese jurídica que propõe o reconhecimento, enquanto território indígena, apenas de terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, tese esta que fragiliza ainda mais a garantia plena de acesso aos seus direitos, dentre eles o direito ao território e à cultura. Cabe lembrar que a tese do Marco Temporal está em julgamento no STF desde 2021.


A ARTICULAÇÃO, JUNTO AO LEGISLATIVO, DE PAUTAS ANTI-INDÍGENAS


A gestão Bolsonaro foi marcada pela flexibilização da legislação relativa à proteção dos povos originários. Dentre os projetos que correram e correm ainda hoje no legislativo federal, destacam-se:


PL 2.633 e PL 510


Os PL’s, que dispõem sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União.


Dentre seus problemas, a proposta promove a dispensa a vistoria presencial do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para a titulação das médias propriedades rurais. Além disto, prevê que as áreas não passíveis de regularização poderão ser alienadas por meio de licitação pública.


O PL 510 agrava esta situação.

Dentre outros problemas, estende o marco temporal para as ocupações em terras públicas pelo menos até o ano de 2016 (ISA, 2021) e amplia a possibilidade de auto declaração sem vistoria presencial.


Medidas que criam um ambiente que pode favorecer o aumento da grilagem, potencializando o desmatamento e o conflito de terras, sobretudo na região amazônica. Em contrapartida, não beneficiam pequenos proprietários de terras e populações tradicionais.


PL490


A PL 490 é outra proposta que tem grandes efeitos isolados e que pode potencializar ainda mais os danos causados por outros projetos.


Altera a demarcação de TI’s, instituindo a data de 5/10/88, data de promulgação da Constituição Federal, como marco legal temporal para a demarcação de TI’s. Desta forma, dificulta a demarcação de TIs e permite uma anulação parcial ou integral de TIs “Reservadas”.

Cabe destacar o argumento de que a existência de TI’s impacta sobre o desenvolvimento do país é uma falácia que, além de ignorar o processo histórico de invasão do território que conhecemos como Brasil, não possui fundamento na realidade.


PL 191


O PL 191/2020 regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. Um absurdo legislativo e, segundo o Ministério Público Federal, inconstitucional , que vai de encontro com o futuro do setor minerário nacional. Apresentado sem consulta prévia às comunidades impactadas, a PL, na prática, legaliza atividades altamente predatórias já em atividade — ilegalmente — em diferentes territórios indígenas no país. Uma agressão direta às diferentes etnias que ocupam territórios tradicionais no norte do país, potencializando o conflito de terras e a contaminação de água e solo nestas regiões, impactando diretamente nas populações tradicionais, a exemplo do que ocorre hoje na TI Yanomami.


Instrução Normativa 09/2020


Passou a permitir a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas — o que, segundo o CIMI “inclui terras em estágio avançado de demarcação e áreas com restrição de uso devido à presença de povos isolados”.(CIMI, 2021).


Decreto 10.966 (revogado pelo Decreto 11369 de 01/01/2023)


De autoria do próprio executivo, criou o Pró-Mape, com a finalidade de “propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”. Projeto que, de acordo com organizações, movimentos de proteção dos direitos humanos e dos povos indígenas, facilitaria ainda mais a exploração de garimpo em territórios indígenas, também como o ocorrido em Roraima.


OS DADOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO INDÍGENA


Em paralelo a isto, enquanto matérias já relatavam as atrocidades cometidas contra a população Yanomami, durante o mesmo período é possível ver o avanço nos dados da violência contra a população indígena em diversas partes do país.


De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), os anos de 2019 à 2021 foram marcados pela paralisação das demarcações de TI’s e omissão completa em relação à proteção de territórios já demarcados.


Os relatórios Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil ,publicados ao longo dos últimos 3 anos, demonstram o aumento da violência contra a população indígena durante a atual gestão.

Em 2021, 15 das 19 formas de violência categorizadas no estudo, apresentaram aumento. Dentre elas destaca-se o aumento nos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” que triplicaram em comparação com 2018, atingindo 305 casos em pelo menos 226 TI’s em 22 estados brasileiros. (CIMI, 2022)


Outros dois dados importantes são os dados de homicídio e suicídio, que atingiram níveis recordes durante a gestão Bolsonaro, com aumento de 113 casos de homicídios para 182 em 2020 e 176 em 2021 e 148 casos de suicídio em 2021.


Estes dados são indícios importantes de um padrão evidenciado durante a gestão do governo Bolsonaro. Padrão este que, outrora já deveria ser investigado, faz com que esta investigação se torne imprescindível, diante da situação em que a população Yanomami se encontra.


Nós nos posicionamos fortemente em favor das investigações sobre as condutas do governo federal durantes os últimos 4 anos e que o rigor da lei se faça presente, com o devido processo legal e a punição dos responsáveis pelo que ocorre hoje em Roraima.


Mas além disto, para além do que acontece na TI Yanomami, é preciso que este episódio sirva de alerta à sociedade para o que as populações tradicionais vem sofrendo historicamente e sofreram durante os anos de gestão Bolsonaro.


Apesar de claro, não podermos determinar uma relação de causalidade direta entre os projetos de lei supracitados e o que ocorre com a população Yanomami, é possível inferir que tais propostas fazem parte de uma visão de mundo que hoje colocam em risco a vida dos povos tradicionais.


Nossa solidariedade ao Povo Yanomami!

Seguimos na atenção!


Por Rafael Souza — Especialista em Gestão Ambiental — UFPR e Diretor Presidente do Instituto ECOE.

Atribuição de direitos de imagem:


A imagem do garimpo é de autoria de Bruno Kelly/Amazônia Real (modificada)

Direitos de imagem:


Referências:

O artigo publicado usou como referência os seguintes materiais, os quais recomendamos fortemente a leitura:














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