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A dimensão ecológica da discriminação racial.

Atualizado: 23 de nov. de 2022



Por que a pauta ambiental precisa ser, também, antirracista?


Por que o ambientalismo precisa ser atravessado pelo antirracismo?


Por mais óbvio que pareça, este é um tema que precisa fazer parte do imaginário de empresas, governos e organizações da sociedade civil que atuam na defesa de pautas ambientais e na promoção da sustentabilidade.


Uma observação. Em respeito ao lugar de fala, este artigo busca promover uma leitura da dimensão ecológica da desigualdade racial, se alicerçando sempre em literaturas de referência sobre o tema.


É necessário estudarmos, compreendermos, e trazermos ao debate público o Racismo Ambiental:


“a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalação de resíduos tóxicos, sansão oficial da presença de veneno e poluentes com risco de vida às comunidades e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos”
Benjamin Franklin Chavis Jr.

O termo foi cunhado em 1981 pelo ativista e liderança norte americana pelos direitos civis Benjamin Franklin Chavis Jr no contexto da luta da população negra do condado de Warren County, na Carolina do Norte. A comunidade ficou conhecida por sua luta contra a instalação de um aterro de resíduos tóxicos para deposição de bifenil-policlorado, chamado PCB, cuja produção havia sido banida 2 anos antes por seu potencial impacto ambiental e à saúde humana.


“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Art. 25.1

A luta da comunidade de Warren County demonstra como o acesso ao direito à natureza — necessário ao livre exercício de direitos humanos fundamentais, descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 — reflete um contexto amplo da desigualdade e segregação racial, que se mantém até hoje.


Racismo estrutural — sociedades alicerçadas no racismo

Entender a dimensão ecológica do racismo passa por entender que nossa sociedade foi concebida por lógicas racistas. Ou seja, o racismo se expressa nas diferentes dimensões da sociedade por que ele faz parte da estrutura da sociedade, como descrito por Ferreira (2019):


“naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que já fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro, e que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial.
Um processo que atinge tão duramente — e diariamente — a população negra.”
Maria Teresa Ferreira — sobre Racismo Estrutural

Para Maria Teresa Ferreira (2019), “a naturalização de pensamentos e situações que promovem a discriminação racial formam o racismo estrutural”. Tal normalização propicia hoje reprodução de lógicas que se perpetuam na história de desenvolvimento da sociedade e que se apresentam como elementos fundamentais da manutenção de desigualdades perpetradas no país e no mundo.


Esta construção se manifesta a partir de políticas sociais segregacionistas a exemplo do Brasil colônia, que normalizou a escravidão por mais de 300 anos e as diferentes políticas públicas implementadas no país durante e após este período. Séculos de exploração que se encerraram por meio de políticas que, na medida que concediam o “direito à liberdade”, excluíram a população negra sem nenhum tipo de reparação histórica, longe de seus territórios de origem, submetendo-as a diversos tipos de vulnerabilidades sociais e externalidades socioambientais e sem direitos políticos.


É importante, também, entendermos que o racismo se manifesta para além do mundo concreto. Para Almeida (2019), “o racismo, enquanto processo político e histórico, é também um processo de constituição de subjetividades, de indivíduos cuja consciência e afetos estão de algum modo conectados com práticas sociais.”, sendo, portanto, considerada enquanto uma ideologia que molda o inconsciente.


Sendo assim, podemos entender que a perpetuação do Racismo Ambiental passa, portanto, pela nossa naturalização à associação entre as questões raciais e a vulnerabilidade social. Um importante exemplo desta naturalização se apresenta na forma desproporcional com que a comunidade internacional vem tratando os conflitos armados na região de Tigré, na Etiópia — que já dura cerca de 16 meses e afeta a vida de quase 10 milhões de pessoas — e a guerra na Ucrânia. Salvo seu potencial de agravamento para um conflito internacional em escalas sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial — o que, claro, levanta a atenção de todo o mundo — é evidente, seja por parte da comunidade internacional ou da mídia, a diferença no tratamento à crise humanitária provocada pelos conflitos nestas duas regiões.


Racismo ambiental, interseccionalidade e a questão indígena

O Racismo Ambiental, traz luz a outro importante conceito: o de Interseccionalidade, criado por Kimberlé W. Crenshaw. De acordo com Crenshaw (2002) a interseccionalidade:


“ trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras.” (CRENSHAW, K, 2002)

Neste sentido, para a Crenshaw, “trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento” (CRENSHAW, K, 2002)


É essencial, entendermos este aspecto da crise que afeta o mundo hoje.

Além de multidimensional (política, econômica, cultural, tecnológica, ambiental, climática, etc.) e complexa — no sentido da interconectividade destas dimensões — ela é interseccional, no sentido de que a experiência concreta e simbólica que cada indivíduo tem sobre a crise atravessa os diversos sistemas de opressão que estruturam a ordem social.


Eventos trágicos, como a crise bélica em países como a Etiopia e tragédias como os desastres de Petrópolis, que se repetiram no último domingo, retratam como a desigualdade racial e de gênero se refletem em uma maior vulnerabilidade frente às questões ambientais.


Da dificuldade de acesso à direitos humanos básicos, à maior exposição frente às consequências de extremos climáticos, o que vivemos no Brasil nos últimos anos é um ensaio do apartheid climático que já assola o Brasil e o mundo, e irá aprofundar ainda mais o abismo de desigualdade e de limitação de acesso à direitos humanos fundamentais entre nações e dentro das nações.


Racismo Ambiental e Apartheid Climático

Para entendermos a gravidade deste cenário, é importante ressaltar o alerta dado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) por meio do relatório publicado em fevereiro, que diz respeito à vulnerabilidade das comunidades humanas, frente aos diferentes padrões de intersecção social. Quase metade da população mundial vive hoje em contextos vulneráveis às mudanças do clima.


O que já pôde ser percebido em catástrofes neste 2022, segundo o relatório, são retratos de um conjunto de fatores que ampliam os níveis de vulnerabilidade frente às consequências das mudanças climáticas, dentre eles, os níveis de desigualdade, marginalização, zonas de conflito, bem como “padrões históricos e contínuos de desigualdade, como colonialismo, e governança”(IPCC, 2022).


Além disso, a degradação ambiental e o comprometimento à manutenção de serviços ecossistêmicos têm impactos importantes sobre populações indígenas e comunidades quilombolas, além de comunidades locais cujas atividades econômicas e de subsistência estão diretamente ligadas aos seus territórios.


Neste sentido, o relatório nos permite concluir as afirmações defendidas por Chavis, Ferreira, Almeida, e Crenshaw: entender o mundo hoje pressupõe entender a interseccionalidade. A vulnerabilidade climática passa pelo racismo. E pessoas discriminadas por questões raciais, também sofrem pelo machismo, homofobia, bem como pelo capacitismo e pela aporofobia. Todas estas condicionantes impõem a indivíduos e grupos sociais, maiores desafios para se adaptar a condições cambiantes na sociedade, dentre elas, as questões climáticas.


Não há como falar sobre crise ambiental e climática, sem atentar-se para o fato de que estas ocorrem em uma estrutura consolidada a partir de e reprodutora de lógicas racistas.


Trabalhar pela defesa do meio ambiente e do clima, exige — portanto — agir contra essa e outras formas de opressão.


Do ponto de vista concreto e simbólico.


Para defender o meio ambiente, é preciso compreender que os padrões históricos de exploração da natureza, são uma reprodução de lógicas de opressão e exploração também de comunidades humanas, com efeitos que reverberam no tempo.


Ou seja. Para ser — realmente — ambientalista.

É preciso ser antirracista.

Referências

Este artigo usou como fundamentação teórica as referências citadas abaixo, as quais recomendamos fortemente a leitura.

ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. — São Paulo : Sueli Carneiro; Pólen, 2019


BBC — Além da Guerra na Ucrânia: 7 conflitos sangrentos que ocorrem hoje no mundo. 2022


CRENSHAW, K — Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. 2002


ECYCLE — O que é racismo ambiental e como surgiu o conceito


FERREIRA, M.T. — O que é racismo estrutural. Brasil de direitos. 2019.


IPCC.2022: SIXTH ASSESSMENT REPORT Working Group II — Impacts, Adaptation and Vulnerability. Fact sheet — Biodiversity. Climate Change Impacts and Risks.


MATHIAS, M. Racismo Ambiental. EPSJV/Fiocruz. 2017


POLITIZE — Racismo ambiental e injustiça ambiental: o que são?


SOUZA, R. — Vulnerabilidade, interseccionalidade e justiça climática. Reflexões sobre o novo relatório sobre mudanças climáticas do IPCC.


UNICEF — Declaração Universal dos Direitos Humanos — Assembleia Geral das Nações Unidas. 1948.



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