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Pressão no Agro - qual o impacto da lei "antidesmate" na política brasileira?

Atualizado: 8 de dez. de 2022

O Parlamento Europeu aprovou, nesta terça (6/12) o projeto de lei que visa impedir a importação de commodities agrícolas ligados ao desmatamento nos seus países de origem, o que tem uma relação direta com a exportação de produtos agrícolas brasileiros para o 2º maior importador de commodities do Brasil, a União Europeia, cujos produtos correspondem à 40% do total exportado para a região e que gerou, em 2021, um faturamento de 18 Bilhões de dólares.


Segundo o projeto, que deve ser aprovado formalmente e entrar em vigor no início de 2023, empresas deverão provar que suas cadeias produtivas não estão contribuindo para o desmatamento.


Uma pressão que vem adicionada pelas ações do governo federal, marcada por escândalos e graves cortes de verba para a área ambiental e fiscalização.


O LEGADO DE DESTRUIÇÃO DEIXADO PELO GOVERNO BOSONARO


O atual governo foi responsável por bater, durante 2 anos seguidos, o recorde nas taxas de desmatamento dos últimos 15 anos. O desmatamento na Amazônia, área de grande importância nacional e internacional por seu impacto no clima, cresceu 73% durante a sua gestão.


Além disto, ao contrário do propagado em seu plano de governo, o combate ao desmatamento teve amplo desinvestimento.


Este cenário pode ser identificado no aumento do desmatamento. De acordo com dados do Imazon, em 2021 o total desmatado possui um valor equivalente à sete vezes a cidade de São Paulo, a maior área devastada dos últimos 15 anos para o período. Cabe destacar, que os alertas de desmatamento que cruzam com imóveis rurais cadastrados no Cadastro Ambiental Rural(CAR) correspondem a 77% da área total desmatada.



DESTRUIÇÃO NA FLORESTA E NAS FAMÍLIAS


Em contrate ao avanço da fronteira agrícola, a fome atingiu 21,8% dos lares de agricultores familiares e pequenos produtores rurais, responsáveis não pela exportação de commodities, mas por cerca de 70% do alimento que chega às nossas mesas. Apesar do vendido pela campanhas pelo governo durante as eleições, o setor sofreu com políticas incompatíveis com suas demandas. De acordo com matéria no portal CONTRAF em junho deste ano, o setor sofre com a falta assistência técnica, políticas de comercialização e fomento, o que atinge, em especial, famílias de agricultores mais carentes, que, consequentemente, também possuem menor capacidade responsiva às mudanças do clima que já vem afetando as produções agrícolas no país.


Além disso, o orçamento apresentado pelo governo para 2023 sofreu cortes em ações importantes, que chegam a 95% na verba prevista para o próximo ano. Dentre as ações destaca-se o Alimenta Brasil, conhecido como principal programa de aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar. (UOL)


Este contraste está também no acesso à terra. 30,9% do território brasileiro é destinado à agropecuária (Mapbiomas, 2021). 77% das propriedades são destinadas à agricultura familiar (Reporter Brasil, 2019), entretanto, correspondem a menos de 1/4 das terras agricultáveis do país, contrastando com os números apresentados pelo agronegócio, com 45% da área rural nas mãos de 1% das propriedades (Oxfam, 2019).


Um cenário devastador, que retrata uma política de estado que gera fome na “entrada” e na “saída”, na medida que dificulta o acesso a alimentação de qualidade e prejudica atividades essenciais para a produção de alimentos.


O PAPEL DO NOVO GOVERNO


O Brasil terá um grande desafio pela frente, e, ao contrário do ventilado por organizações ligadas ao agro, a decisão do Parlamento Europeu trará grandes benefícios para o país e para o próprio setor, que há muito tempo precisa se adequar às novas condicionantes socioambientais e climáticas. Para isto, destacamos algumas ações estratégicas que acreditamos que devem ser implementadas pelo governo Lula.


1 – ADEQUAÇÃO À AGENDA CLIMÁTICA


O atual governo emitiu, em 2020, uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC da sigla em inglês - que descaracterizou as ações previstas no documento lançado em 2015 e trouxe uma nova base de cálculo de emissões, o que permitiria ao país bater a meta do Acordo de Paris aumentando suas emissões em relação à NDC anterior.



Emissões totais - SEEG/Observatório do Clima


É importante destacar que, ao contrário da realidade global, as maiores fontes de emissões no país são a Mudança de Uso do Solo e o Agronegócio. O novo governo precisa estabelecer uma nova NDC, recompondo e aprimorando as metas indicadas no documento de 2015.


2 – REINVESTIMENTO AMBIENTAL E EFICÁCIA NA APLICAÇÃO DO VALOR DESTINADO À PASTA E DOS POVOS ORIGINÁRIOS


De acordo com o Balanço do Orçamento Geral da União (INESC, 2021), de 2019 até 2021, de forma geral, a pasta ambiental vem sofrendo com fortes desinvestimentos, com o valor autorizado em 2021 em média 25% menor que em 2019. Além disso, o relatório indica as falhas na execução do orçamento autorizado. De acordo com o balanço, em 2021 o valor executado foi menos de 80% do autorizado. Ao comparar os valores autorizados para a pasta em 2019 em comparação com o que fora executado em 2021, identifica-se uma queda de 42%.


Além disso, quando se olha para a fiscalização, identifica-se que o gasto real executado ao longo de todo o período varia entre R$ 102 Mi e 95 Mi, um valor completamente irrisório para a demanda.


Cabe lembrar que, em 2021, o valor inicialmente orçado pelo governo na PLOA 2021 para a fiscalização era de R$ 82 milhões, porém, diante das cenas aterradoras dos incêndios no Pantanal em 2020 e devido à pressão de organizações ambientais e da parlamentares da oposição, a pasta chegou a alcançar R$ 236 milhões. Entretanto, apenas cerca de 40% do valor foi realmente executado.


O mesmo pôde ser identificado no orçamento para a Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas áreas Federais. Mesmo diante dos sucessivos casos de incêndios que atingiram o Pantanal e a Amazônia, o valor executado para a pasta em 2020 e 2021 foram menores que o executado em 2019. Embora os recursos autorizados tenham aumentado em 2021, apenas 76% foram executados, dificultando ainda mais as ações de combate, a exemplo da contratação e capacitação das brigadas de incêndios.


Este cenário de desinvestimento pode ser identificado no aumento do desmatamento. De acordo com dados do Imazon, de agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubados 10.781 km² de floresta.


De acordo com instituto, foi a segunda vez consecutiva em que o desmatamento passou dos 10 mil km² no período de análise.


O mesmo pode ser identificado ao olhar a questão indígena. Segundo os dados do INESC, há diversos problemas quando se analisa o orçamento para a pasta.


1º — O orçamento é insuficiente para as demandas relacionadas a pasta:


Desde que Bolsonaro assumiu o governo, o orçamento relacionado à pasta foi de R$ 146 milhões em 2019, R$ 109,83 milhões em 2020 e R$ 139,80 milhões em 2021. O valor aprovado deve — ou deveria — ser destinado para diferentes ações, como regularização, demarcação e fiscalização de TI’s, enfrentamento à pandemia de coronavírus, aprimoramento da própria FUNAI entre outros. O valor destinado tem sido insuficiente para dar conta das ações necessárias para as mais de 300 etnias indígenas nos 26 estados da nação.


2º — A execução do orçamento tem sido falha.


Não bastasse o orçamento ser insuficiente, o governo deixou de executar boa parte do orçamento aprovado. Apesar da execução de mais de 90% do orçamento aprovado em 2019, os anos de 2020 e 2021 foram marcados pela ineficiência na execução do orçamento previsto, sendo executados cerca de 60% do aprovado para 2020 e 63% em 2021 (INESC, 2022).


3º — Parte do valor foi aplicado para benefício de não-indígenas


Parte de um orçamento insuficiente, em que quase 40% deixa de ser executado, acaba sendo destinado à indenização de pessoas que ocuparam terras indígenas e construíram estruturas no local. Segundo o relatório, cerca de 45% dos recursos destinados à demarcação de territórios foram destinados à este fim.


Além disso, a gestão Bolsonaro foi marcada pela flexibilização da legislação relativa a proteção dos povos originários. Dentre elas, destacam-se o PL 191/2020 que prevê a abertura das TI’s para a mineração, a exploração de gás e petróleo, entre outras atividades (CIMI, 2021) e a Instrução Normativa 09/2020 que passou a permitir a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas — o que, segundo o CIMI “inclui terras em estágio avançado de demarcação e áreas com restrição de uso devido à presença de povos isolados”.(CIMI, 2021).


Dentre as alterações na legislação, o governo e sua base de apoio no congresso se posicionaram a favor da tese sobre o Marco Temporal, tese jurídica que propõe o reconhecimento, enquanto Território Indígena, apenas de terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, tese esta que fragiliza ainda mais a garantia plena de acesso aos seus direitos, dentre eles o direito ao território e à cultura.


Em paralelo a isto, durante o mesmo período é possível ver o avanço nos dados da violência contra a população indígena, dados que ganham um novo sentido, na medida que este artigo é escrito em meio a relatos de ataques praticados por pistoleiros à indígenas da etnia Pataxó, na Aldeia Nova em Prazo, no sul da Bahia. Um novo ataque que ocorre 2 dias após o assassinato de Gustavo Conceição da Silva, um jovem Pataxó de apenas 14 anos, morto em um atentado no dia 4 de setembro (G1, 2022). Mais um capítulo triste que retrata o cenário de horror vivido por populações indígenas em todo o país.


De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), os anos de 2019 à 2021 foram marcados pela paralisação das demarcações de TI’S e omissão completa em relação à proteção de territórios já demarcados.


Os relatórios Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil , publicados ao longo dos últimos 3 anos, demonstram o aumento da violência contra a população indígena durante a atual gestão.


Em 2021, 15 das 19 formas de violência categorizadas no estudo, apresentaram aumento. Dentre elas destaca-se o aumento nos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” que triplicaram em comparação com 2018, atingindo 305 casos em pelo menos 226 TI’s em 22 estados brasileiros. (CIMI, 2022)


Outros dois dados que chamam a atenção são os dados de homicídio e suicídio, que atingiram níveis recordes durante a gestão Bolsonaro, com aumento de 113 casos de homicídios para 182 em 2020 e 176 em 2021 e 148 casos de suicídio em 2021.


Além de mais investimentos na área, é imprescindível a reestruturação do MMA e a criação do Ministério dos Povos Originários, bem como a conclusão do julgamento sobre o Marco Temporal.



3 – IMPLEMENTAR O "REVOGAÇO" PROMETIDO DURANTE A CAMPANHA


Assim, como indicado durante e após as eleições 2022, o novo governo precisa fazer a revogação de uma série de decretos, dentre outras medidas da gestão Bolsonaro. De acordo com a iniciativa Política Por Inteiro, realizada pelo Instituto Talanoa, mais de 2 mil atos publicados pelo executivo durante a gestão do atual governo. Destas, 401 atos demandariam de revisão ou revogação total.


A análise completa encontra-se no relatório “Desconstrução: 401 atos do Poder Executivo Federal (2019-2022) a serem revogados ou revisados para reconstituição da agenda climática e ambiental brasileira”, que você pode acessar clicando aqui.



4 – INVESTIMENTO EM CTI, NA UNIVERSIDADE PÚBLICA E RECONFIGURAÇÃO DOS VALORES DE BOLSAS PARA PROGRAMAS DE PÓS GRADUAÇÃO


Desde que o governo Bolsonaro assumiu a pasta como Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), os cerca de R$3 Bi em investimentos realizados na área em 2019 representaram metade do que era investido pelo antigo Ministério da Ciência e Tecnologia em 2005. (Nexo, 2020)


Lembremos que, só em 2022, o valor dedicado à ciência e tecnologia previsto em orçamento neste ano é 73,4% menor do que o de 2015. O desinvestimento é crescente desde 2016, seguindo a política de cortes iniciada no governos Temer e aprofundada pela atual gestão. (CSBP, 2022).


Um levantamento detalhado do desmonte na área de CTI pode ser acessado aqui e aqui


Além do investimento direto na pasta, é preciso investir na universidade pública e em quem faz pesquisa. Mais de 90% da produção científica do país se encontra na universidade pública, nos programas de mestrado e doutorado, por profissionais que são obrigados e ter dedicação exclusiva e, apesar de seu trabalho, não tem seus direitos resguardados pela CLT.


A contenção das verbas destinadas aos programas de mestrado e doutorado da CAPES, que financiam jovens pesquisadores de todo o Brasil, tem revelado a situação de precariedade que cientistas têm vivido para produzir ciência de qualidade para o país.


Investir em sustentabilidade exige investir em ciência e em quem faz ciência. É urgente a revisão dos valores pagos pelas bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, bem como da política para aquisição de bolsa.



O país tem a chance de se tornar exemplo para o mundo em inovação para a sustentabilidade e para a justiça social e climática, mas para isto, é necessário superar não apenas o legado de destruição deixado pelo atual governo, mas rever constantemente as próprias posições, para garantir as condições necessárias para que esta transformação se estabeleça no longo prazo.


Nesse caminho, para implementar as mudanças necessárias e impedir novos avanços anti-ambientais já articulados pelo congresso e defendidas pelo atual governo, como o pacote da destruição, a capacidade de articulação com o congresso será a chave – o que se percebe dificultado pela nova configuração da câmara e do senado - junto ao apoio massivo de organizações sociais para pressionar o legislativo a adotar o conjunto de medidas que precisarão de aprovação do congresso nacional.


Neste sentido, a pressão externa da União Europeia, é um grande passo a favor.


Referências:


O artigo publicado usou como referência os seguintes materiais, os quais recomendamos fortemente a leitura:


CIMI - Relatórios Violência contra os Povos Indígenas





CSPB - Governo Bolsonaro derrubou investimentos em ciência e tecnologia em quase 75% em relação a 2015



FOLHA - "No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena', diz Bolsonaro a TV


G1- Dois dias após morte de adolescente indígena, Pataxós denunciam novo ataque de 'pistoleiros' na Bahia


IMAZON - Desmatamento na Amazônia chega a 10-781 km² nos últimos 12 meses. Maior area em 15 anos - https://imazon.org.br/imprensa/desmatamento-na-amazonia-chega-a-10-781-km%C2%B2-nos-ultimos-12-meses-maior-area-em-15-anos/#:~:text=Desmatamento%20na%20Amaz%C3%B4nia%20chega%20a,maior%20em%2015%20anos%20%2D%20Imazon


INESC - A conta do desmonte - Balanço do Orçamento Geral da União 2021


NEXO - Ciência, Tecnologia e Inovação: a ‘operação desmonte’ e seus resistentes

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Ci%C3%AAncia-Tecnologia-e-Inova%C3%A7%C3%A3o-a-%E2%80%98opera%C3%A7%C3%A3o-desmonte%E2%80%99-e-seus-resistentes


SBPC - A política brasileira de CT&I e as manifestações da comunidade científica - http://portal.sbpcnet.org.br/wp-content/uploads/2019/12/cartilha_manifestos_SBPC_online.pdf


SISTEMA DE ESTIMATIVA DE EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA - Observatório do Clima



TALANOA, 2022 - Reconstrução: 401 atos do Poder Executivo Federal (2019 - 2022) a serem revogados ou revisados para a reconstituição da agenda climática e ambiental brasileira. Instituto Talanoa, 2022. 171 pag.


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